IA nos edifícios: uma viagem que está apenas a começar

Autor: Victor Moure, Power Products & Digital Energy VP, Iberian Zone, Schneider Electric

Poderíamos dizer que 2024 foi o ano da consolidação da Inteligência Artificial no debate social, o que mostra que já faz parte do nosso dia a dia. No entanto, é fundamental ter consciência do caminho que temos pela frente e dos alicerces que temos de cimentar em primeiro lugar. Para isso, vou utilizar como exemplo o caso dos edifícios.

Entrámos em 2025 há pouco tempo, mas vamos recuar a 2024, à publicação da Diretiva Europeia relativa ao Desempenho Energético dos Edifícios (EPDB, na sua sigla em inglês). Esta diretiva, pedra angular da evolução a que estamos a assistir, estabeleceu um quadro regulamentar muito ambicioso e impulsionou uma mudança de paradigma: transformar os edifícios em sistemas vivos e inteligentes que otimizam o desempenho energético e a sustentabilidade. Não esqueçamos que, na Europa, os edifícios são responsáveis por 40% do consumo total de energia e 35% das emissões, de acordo com a Comissão Europeia.

Este regulamento vai implicar uma redução drástica do consumo de energia: os edifícios existentes devem tornar-se neutros em carbono até 2050, e os edifícios novos até 2030. A diretiva exige igualmente a instalação de sistemas de automação e de controlo dos edifícios (BACS, na sua sigla em inglês), que otimizam o consumo de energia e melhoram o bem-estar dos inquilinos. Para além disso, exige que os novos edifícios sejam equipados com dispositivos conectados para o controlo individual da temperatura, melhorando a eficiência energética. No que toca à mobilidade elétrica, aumentaram as exigências de instalação de pontos de carregamento nas garagens dos novos edifícios, e fixaram-se prazos para a adaptação das garagens existentes. Por outro lado, os edifícios públicos vão ter de implementar instalações de energia solar entre 2027 e 2030, consoante a sua superfície; os edifícios não residenciais novos ou renovados têm de o fazer até ao final de 2027; e os edifícios residenciais até ao final de 2029. Assim, os edifícios vão conseguir não apenas consumir energia de forma mais eficiente, mas também tornar-se produtores de energia, ou prosumers.

Todas estas medidas são cruciais, porque só através da eletrificação e da digitalização conseguiremos cumprir os objetivos de descarbonização fixados pela UE.

Os edifícios já não são estruturas passivas

Os edifícios estão a sofrer uma profunda transformação, passando de estruturas passivas a ecossistemas dinâmicos alimentados por dados em tempo real e tecnologias digitais interoperáveis. Este desenvolvimento dá resposta à evolução constante das necessidades das empresas e ocupantes, impulsionada por cinco tendências interligadas que estão a remodelar o mercado. A primeira destas tendências é a descarbonização, pelas razões acima referidas.

A adaptabilidade é outra tendência-chave, uma vez que os edifícios devem ser flexíveis e resilientes para satisfazer as exigências em constante mudança dos ocupantes. A pandemia impulsionou uma mudança para o trabalho híbrido, diminuindo a procura de escritórios e incentivando a tendência da qualidade. Isto significa que os proprietários de edifícios devem atualizar os espaços existentes para atrair inquilinos mais exigentes. Para além disso, os imóveis flexíveis, que podem ser reutilizados de forma eficiente, estão a tornar-se mais populares, realçando a importância de dispor de uma fonte de alimentação fiável para evitar interrupções.

A renovação dos edifícios é essencial, uma vez que se estima que 50% dos atuais ainda vão ser utilizados em 2050. A modernização destes espaços não apenas ajuda a reduzir a sua pegada de carbono, como também pode oferecer um retorno significativo do investimento num prazo de um a três anos. As intervenções de renovação ligeira, como a implementação de tecnologias de gestão de edifícios, podem reduzir as emissões operacionais em até 45% e transformar os edifícios em flexumers[1] interativos com a rede.

A pressão financeira e a taxonomia verde também desempenham um papel importante nesta transformação. Com o aumento dos custos da energia, é essencial que os edifícios aumentem a gestão ativa da sua procura para reduzir os custos e as emissões. A modernização dos edifícios não só preserva o valor dos existentes, como também pode ajudar a cumprir as normas de sustentabilidade e a atrair inquilinos numa economia mais ecológica. A implementação de tecnologias como a gestão da energia e a energia solar pode reduzir o consumo global de energia em 40%.

Por último, as capacidades tecnológicas são cruciais para o futuro dos edifícios. As organizações precisam de um ecossistema integrado que permita um melhor acesso e utilização dos dados. A automação é um primeiro passo essencial para reduzir o desperdício de energia e otimizar os custos. Os sistemas modernos de gestão de edifícios, complementados por software avançado, podem proporcionar poupanças significativas de carbono, permitindo às organizações tomar decisões baseadas em dados para otimizar a sua carteira e reduzir a sua pegada de carbono de forma contínua.

Eletrificação e digitalização: a porta de entrada para a IA

Esta viagem começa por repensar a gestão da energia e investir na eficiência operacional ao longo de todo o ciclo de vida dos edifícios, desde o design inicial ao funcionamento e otimização. Para tal, vão ser necessárias soluções integradas que englobem produtos e tecnologias conectados e produzam resultados tangíveis e dados acionáveis. Isto vai acelerar a descarbonização, proteger o desempenho, otimizar as operações e cuidar das pessoas.

Tirando partido da IoT e da digitalização, os operadores de edifícios podem automatizar decisões em tempo real através de equipamentos conectados, que recolhem dados sobre a ocupação, a iluminação e a qualidade do ar. Graças à IA, em função de variáveis externas como a temperatura exterior, a produção solar da instalação, o número de veículos elétricos que se deslocam ao escritório ou o preço da energia, o edifício será capaz de adotar e adaptar a melhor estratégia de gestão de energia para otimizar os custos, o conforto das pessoas, a redução das emissões e a continuidade das operações.

Estamos, portanto, perante um cenário favorável: a tecnologia já existe e está disponível. O desafio agora é implementá-la para conseguirmos o modelo energético, digital e cultural que ambicionamos.

* Este artigo foi publicado originalmente no ‘El Economista’.

[1] Flexumer (Flexibility + Producer + Storager + Consumer): Agente flexibilizador do sistema elétrico (combinação de prosumers e flexibilidade). Utilizam o seu consumo de eletricidade, bem como as suas capacidades de produção e armazenamento, de uma forma flexível, e por conseguinte prestam serviços ao mercado (para garantir o abastecimento), à rede (serviços de congestionamento) ou ao sistema (serviços de estabilidade).

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