O outro lado da sobrecarga do planeta: a redução do consumo de energia 

*Por Rafael Segrera, presidente da Schneider Electric para a América do Sul

Em 2022, os investimentos globais em tecnologia e fontes de energias limpas bateram recorde de US$ 1,1 trilhão, segundo o estudo Energy Transition Investment Trends, da BloombergNEF. O objetivo deste montante é claro: reduzir a emissão dos gases de efeito estufa que contribuem para o aumento dos riscos e eventos naturais extremos causados pelas mudanças climáticas.

Com anos de experiência nesse setor em diversos países e também como cidadão da América do Sul, procuro acompanhar, mais de perto, a movimentação do mercado local na construção de um futuro Net Zero. É notório que a discussão e projetos de energia limpa estão ganhando força e atenção como fator-chave na redução da pegada de carbono. Porém, posso afirmar que nossos esforços estão aquém do que podemos fazer por um mundo mais sustentável. 

Como exemplo, está o Dia da Sobrecarga da Terra ou, em inglês, Earth Overshoot Day, que marca, a cada ano, o dia em que o consumo de recursos para o ano excede a capacidade do planeta de regeneração para o mesmo período. Em 2023, a efeméride foi calculada para 2 de agosto, sendo que, nos dois anos anteriores, caíram nos dias 28 e 29 de julho, respectivamente. Ou seja, não registramos resultados significativos na sustentabilidade.

Para avançar a passos largos nessa corrida, precisamos nos voltar urgentemente para o outro lado da cadeia: o do consumo desenfreado de energia. De acordo com o Climate Watch, essa é a maior fonte de gases de efeito estufa causada por seres humanos, responsável por 73% das emissões mundiais. Os maiores “vilões” são os meios de transporte e o uso regular em edifícios, indústrias, construção, entre outros setores.

De acordo com o World Economic Forum, 55% das soluções necessárias para atingirmos o Net Zero vêm da mudança na aplicação da energia. Então, uma importante maneira de começar é otimizar a demanda no setor da construção civil, responsável por 38% das emissões globais de gás carbônico em 2019, e indústrias, que emitem outros 32%, segundo o Relatório de Situação Global 2020 para Edifícios e Construção. 

Dados atuais da Agência Internacional de Energia (AIE) mostram que a América Latina e o Caribe poderiam baixar, em até 25%, o uso do recurso com a implementação de medidas de eficiência energética, alcançando uma economia de 270 TWh até 2040, o equivalente ao consumo anual de eletricidade da Argentina.

Segundo a AIE, a implementação de regras de construção mais rigorosas e a adoção de equipamentos mais eficientes reduzem essa demanda em até 40%. Além disso, a melhoria da eficiência energética de edifícios também pode diminuir os custos de energia para os usuários finais.

10 prioridades para acelerar a descarbonização

É nesse cenário complexo que as discussões entre líderes se tornam ainda mais importantes, principalmente, aquelas que resultam em ações e incentivos para o mercado seguir em uma jornada mais sustentável. Como exemplo, está a Conferência Anual Global sobre Eficiência Energética da AIE, em parceria com a Schneider Electric, que elegeu as 10 principais ações capazes de fomentar a eficiência energética e um futuro net zero.

Entre as ações, está melhorar a mensuração do desempenho de casas e edifícios, assim como monitorar a eficiência de automóveis. Softwares baseados em inteligência artificial de gerenciamento de energia já estão amplamente disponíveis hoje e permitem aos usuários ver e controlar o desempenho de cada aparelho conectado em uma casa, escritório ou instalação industrial. Essa visão geral oferece o maior potencial para identificar e eliminar o desperdício.

A segunda prioridade é promover a conscientização e conhecimento, porque as pessoas estão cada vez mais interessadas em fazer “algo”, mas não sabem o que fazer. Logo, compartilhar aplicações práticas, orientações e exemplos de sucesso permite maior aprendizado.

Outro ponto importante é o treinamento de profissionais com as habilidades necessárias para impulsionar a transição energética, o que terá a vantagem adicional de estimular a criação de empregos e proporcionar benefícios sociais e econômicos mais amplos. As maiores oportunidades estarão nas economias emergentes e em desenvolvimento. Isso inclui, também, a necessidade de uma força de trabalho com habilidades digitais para instalar, operar e manter esses sistemas conectados.

Na construção civil, outra prioridade, se faz necessária uma mudança de mentalidade por parte de arquitetos e tomadores de decisão em relação ao custo da construção, direcionando o foco para o custo total de propriedade do projeto. A construção representa cerca de 20% do custo total, o que significa que é preciso dedicar mais atenção à operação e manutenção de um prédio, com enormes oportunidades para eficiência.

Com certeza, o investimento em eficiência energética é um fator decisivo para muitos líderes. E, apesar de ter um retorno curto, ele se mostra recorrente com economias de custos contínuas. Por isso, modelos de financiamento estão entre as ações que precisam ser otimizadas para reconhecer e apoiar iniciativas verdes.

Embora a responsabilidade de agir recaia sobre cada líder e organização, há um dever particular dos governos, pois geralmente são proprietários de grandes portfólios imobiliários. Nesse sentido, ter o poder público como exemplo a ser seguido também está entre as prioridades apontadas na conferência do AIE. Isso começa pela criação de um plano, com auditoria e definição de estratégias de digitalização e descarbonização.

Entre os participantes da conferência da AIE, houve um grande consenso de que incentivos são mais eficazes do que coerção, mas quando a coerção é necessária, deve haver um horizonte regulatório que permita às pessoas revisar, planejar e se adaptar para a transição.

Quando ouvimos exemplos que levam cerca de sete anos para obter uma nova infraestrutura de energia renovável fisicamente conectada à rede elétrica, percebemos que isso claramente precisa ser mudado. Acelerar o tempo para gerar eletricidade verde é uma das prioridades.

Ao falarmos sobre combater as mudanças climáticas, tem havido uma tendência generalizada de voltar a “grandes ideias” que estão a anos de distância. Talvez, seja da natureza humana querer o que não temos? A realidade é que já existem soluções confiáveis, eficientes e baratas, então, precisamos nos concentrar em adotar a tecnologia existente mais rapidamente. Essa é uma prioridade fundamental para o futuro próximo.

Por fim, a décima ação, mas não menos importante, é o desenvolvimento de um futuro descarbonizado por todo o mundo, nas economias emergentes e desenvolvidas.

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