Como a política climática europeia pode apoiar as medidas de eficiência energética

Tradução do blog global publicado por Bertrand Deprez 

Grandes cidades debaixo de água, ondas de calor sem precedentes e tempestades aterradoras. Estes são apenas alguns dos cenários de pesadelo evocados pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres, na sequência da publicação, em abril, do último relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, na sua sigla em inglês) sobre a ciência climática.

As descobertas dificilmente poderiam ser mais duras. Estamos num caminho para que o aquecimento global seja mais do dobro da meta de 1.5°C estabelecida no Acordo de Paris em 2015 e, para o impedir, as emissões de carbono devem atingir o seu pico dentro de apenas três anos e diminuir rapidamente a partir daí.

Os legisladores da União Europeia (UE) estão a responder a este desafio. Ao abrigo do Pacto Ecológico (Green Deal), os Estados-membros estão empenhados em alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Esta ambição proporcionará à UE o conjunto de normas e leis mais abrangente do mundo para impulsionar a transição verde.

Ainda assim é preciso fazer mais – e rápido. A verdade é que este imperativo só se acentuou no contexto da subida em flecha dos preços dos combustíveis fósseis.

Sabe-se que o mundo da energia está a mudar: o tradicional foco numa distribuição centralizada e descendente (“top-down”) está a ser desviado e substituído por uma abordagem muito mais orientada para o utilizador final. Os sistemas energéticos estão, consequentemente, a tornar-se mais descentralizados, digitalizados e descarbonizados.

Esta transformação representa uma importante oportunidade para a UE, que todos os dias gasta cerca de mil milhões de euros em importações de energia. Os decisores políticos devem agora dedicar maior atenção à forma como a energia é consumida – e não apenas a como é gerada, transmitida e distribuída. Tal significa incentivar melhor os utilizadores finais para que consumam a sua energia da forma mais eficiente possível, minimizando os desperdícios desnecessários.

A eficiência energética é um fator crucial da transição para emissões mais baixas

Descarbonizar a economia global significa diminuir a nossa dependência dos combustíveis fósseis e aumentar drasticamente a utilização de fontes de energia renováveis como a energia solar, eólica, biomassa e hidroelétrica. Para além disso, sendo a eletricidade uma forma de energia mais limpa e eficiente do que o petróleo e o gás, temos de continuar a eletrificar todas as coisas – desde como abastecemos os automóveis até como aquecemos os edifícios.

Na Europa, estas mudanças profundas e positivas na produção e distribuição de energia já estão em curso; no entanto, por si só, as energias renováveis e a eletrificação não conseguem concretizar a ambição de emissões líquidas zero da UE. A International Renewable Energy Association (IRENA), por exemplo, calcula que estas medidas apenas podem contribuir com 45% das reduções de emissões necessárias para limitar o aquecimento global a 1.5°C acima dos níveis pré-industriais.

Posto isto, como podem os decisores políticos garantir que utilizamos estas formas de energia mais limpas tão eficientemente quanto possível?

Digitalização e legislação do lado da procura para aumentar a eficiência energética

As tecnologias digitais tornam visível o desperdício de energia. Por exemplo, ao oferecerem informação em tempo real sobre os processos complexos de transformação e distribuição, estas ferramentas ajudaram recentemente a reduzir de forma significativa o desperdício de energia na Europa. Estas melhorias devem-se em parte ao estímulo regulamentar disponibilizado aos operadores de rede ao abrigo da Directiva de Eficiência Energética (EED, na sua sigla em inglês) de 2012.

No entanto, para acelerar a descarbonização em conformidade com o Pacto Ecológico, os decisores políticos da UE devem promover mais ativamente as melhorias de eficiência inexploradas do lado da procura. Isto significa encorajar os consumidores, as empresas, os operadores de edifícios e outros a investirem em ferramentas que ajudem a poupar energia.

Dessa forma, os utilizadores finais também poderão reduzir os seus custos. Servem de exemplo as tecnologias de contadores inteligentes que otimizam digitalmente processos como a iluminação e o controlo da temperatura, reduzindo de forma significativa as faturas de energia de fábricas, casas, hospitais, blocos de escritórios e outros edifícios.

De igual modo, as melhorias na geração de energia distribuída e tecnologias de redes inteligentes permitem que os utilizadores finais se tornem, cada vez mais, também produtores de energia, ou “prosumers”. Em muitas regiões da UE, por exemplo, o excesso de energia gerada por painéis solares nos telhados pode agora ser diretamente vendida de volta à rede.

Estímulo regulamentar necessário

Mais pode ser feito para encorajar a captação destas inovações. Quando totalmente implementada, uma transposição ambiciosa das medidas relacionadas com os Sistemas de Gestão de Edifícios (ou BACs) incluídas na Diretiva do Desempenho Energético na Construção (EPBD 2018/844) revista poderia conduzir a poupanças equivalentes a 14% do consumo final total de energia dos edifícios. Concretamente, até 2038, a UE pouparia o equivalente a 46 mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás fóssil, 64 mil milhões de metros cúbicos (bcm) de CO2 e 36 mil milhões de euros.

Igualmente, um estudo recente do Schneider Sustainability Research Institute (SRI) estimou que, nas condições atuais, os painéis solares nos telhados poderiam suprir até 20% da procura global de eletricidade na Europa. No entanto, os telhados no continente continuam a ser cronicamente subutilizados.

“Fit for 55” e o caminho para uma maior eficiência energética

Num passo significativo para a consecução das ambições do Pacto Ecológico, a Comissão Europeia publicou, em julho do ano passado, um conjunto de políticas destinadas a reduzir as suas emissões líquidas de gases com efeito de estufa em pelo menos 55% até 2030.

Intitulado “Fit for 55“, o pacote de medidas incorporava regulamentações revistas, propondo ao Estados-membros que quase duplicassem as suas obrigações anuais de poupança de energia, implementassem estações de carregamento de veículos elétricos (VE), introduzissem normas mínimas de desempenho energético para edifícios e integrassem sistemas de gestão de energia na indústria, entre outras. Isto faz do “Fit for 55” um dos mais complexos e ambiciosos projetos legislativos alguma vez empreendidos pela UE – um tópico discutido no nosso recente whitepaper sobre as propostas.

No entanto, existem ainda mais oportunidades para catalisar mudanças sistémicas e hierárquicas na política energética da UE. Os consumidores estão a impulsionar a transição para um novo mundo de energia que é sustentável, digital e eletrificado – a que chamamos “Eletricidade 4.0”.

As principais tecnologias estão a transformar significativamente a procura de energia e a oferecer novos serviços aos consumidores. Investir agora num sistema energético inteligente e descentralizado pode afetar a mudança estrutural muito antes de 2030. Uma reformulação oportuna e ambiciosa das medidas do “Fit for 55” pode revelar-se crucial neste processo.

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