As bandeiras tarifárias são um assunto na pauta do Setor Elétrico Brasileiro desde o final de 2011, acompanhando a aprovação do formato do 3º Ciclo de Revisão Tarifária Periódica das distribuidoras pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel. Após a postergação que ocorreu na segunda quinzena de dezembro de 2013, que transferiu o início efetivo da aplicação das bandeiras de janeiro de 2014 para janeiro de 2015, as contas de distribuição de energia finalmente serão faturadas a partir do início do próximo ano considerando este sistema, conforme as Resoluções Normativas nº 547 e 593 de 2013 da Aneel.
A Matriz Brasileira de Geração de Eletricidade
Previamente à discussão mais aprofundada do tema, é fundamental a sua contextualização. O Brasil é reconhecido internacionalmente pela significativa participação das fontes renováveis na sua matriz de geração de energia elétrica. Em 2013, a matriz brasileira de eletricidade contou com a participação de 70,6% de geração hidráulica, de acordo com o Relatório Síntese do Balanço Energético Nacional 2014, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética – EPE. O restante do total de geração foi realizado através de fontes térmicas (25,9%), nuclear (2,4%) e eólica (1,1%), que são complementares às hidrelétricas e PCHs e assumem um papel fundamental na diversificação da matriz e, consequentemente na segurança do suprimento de eletricidade.
Um país com uma matriz predominantemente hídrica está sujeito a algumas variáveis específicas. O regime de chuvas, os níveis dos reservatórios e as previsões meteorológicas, por exemplo, são fatores chaves para o planejamento da operação do sistema elétrico, no que diz respeito à otimização de preço versus segurança energética. Enquanto os custos de geração de empreendimentos hidrelétricos amortizados podem ser tão baixos quanto R$ 30,00 por megawatt-hora (MWh), as usinas térmicas possuem custos unitários de até R$ 1.700,00/MWh. Através da estrutura atual do parque de geração nacional, até o nível de operação de 13.000 MW, o preço médio da geração térmica é de cerca de R$ 250/MWh, pois até este limite são despachadas as usinas nucleares, a carvão e a gás. Após o nível de 13.000 MW, entram em operação usinas mais dispendiosas movidas a óleo combustível e óleo diesel, com preços médios acima de R$ 350/MWh e até R$ 1700/MWh.
As alternativas para geração – despacho das usinas térmicas ou utilização dos recursos hídricos disponíveis – devem ser cuidadosamente ponderadas no planejamento da operação realizado pelo Operador Nacional do Sistema – ONS, pois assim como as decisões afetam sensivelmente o custo de operação, também impactam a segurança de suprimento. A alternativa mais barata em termos de custo imediato, não necessáriamente é a que traz os maiores benefícios futuros, dessa forma, não é suficiente, tampouco seguro, contar apenas com a geração hídrica. Embora o custo de geração térmica possa ser elevado, a fonte tem o papel de compensar eventuais insuficiências de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas, evitar riscos futuros refletidos em previsões de poucas afluências, absorver aumentos na demanda e preservar a capacidade de geração de energia das hidrelétricas para os meses subsequentes.
Gráfico 1 – Variação do CMO Médio Sudeste/Centro-Oeste em relação ao % de armazenamento dos reservatórios no Sudeste e à geração por Térmicas Convecionais no Sistema Interligado Nacional. Fonte: ONS
O chamado Custo Marginal de Operação (CMO) indica o custo operativo necessário para atender a um acréscimo de uma unidade de demanda, utilizando os recursos existentes no sistema. Quanto maior o CMO, mais cara está a geração de eletricidade. O CMO é divulgado semanalmente, por região e para os patamares de carga leve, médio e pesado, e é resultado do processo de definição dos níveis de geração hídrica e térmica, que se baseia nas condições meteorológicas, na demanda de energia e na disponibilidade e nos custos de geração. Valores elevados do Custo de Operação podem indicar questões conjunturais desfavoráveis, tais como condições limitadas de chuva nas bacias dos rios, baixos níveis de água nos reservatórios e forte demanda de energia no sistema. Nestes casos, as usinas termelétricas atuam como forma de compensação, buscando a preservação da segurança energética e afastando riscos de racionamento devido à incapacidade de atendimento futura.
Em anos anteriores, o percentual de contribuição das fontes hídricas sobre o total de geração correspondeu a mais de 75%, no entanto, desde o segundo semestre de 2012, o país conta com volumes de geração térmica bastante elevados em virtude de questões de segurança energética que afetaram as decisões de operação do sistema e que respaldaram uma tendência de mudança na política operativa do parque de geração: o despacho térmico deverá ocorrer com maior intensidade mesmo para anos com hidrologia próxima a média de longo prazo, de acordo com o Diretor Geral do ONS, Hermes Chipp, em apresentação realizada no final de julho de 2014 em um fórum ao setor. Em uma intepretação voltada para o consumidor, os impactos financeiros da operação das usinas térmicas deverão ser sentidos com maior intensidade ao serem levados em consideração o sistema de bandeiras tarifárias e a política atual de operação do sistema interligado.
O sistema de Bandeiras Tarifárias
As bandeiras foram concebidas justamente com o objetivo de fornecer para os consumidores uma indicação sobre o custo da energia, permitindo que seja adotada pelo usuário uma postura de consumo mais eficiente, dependendo das condições mensais de operação do sistema. As interpretações propostas para as três bandeiras existentes, são as seguintes:
Tabela 1 – Interpretações e efeitos das bandeiras tarifárias
Este novo sistema atingirá todos consumidores residenciais, comerciais e industriais no Ambiente de Contratação Regulado, e substitui as tarifas de energia sazonais utilizadas anteriormente ao 3º ciclo de Revisão Tarifária Periódica, que até então diferenciavam os períodos úmido (dezembro a abril) e seco (maio a novembro) através da aplicação da tarifa de energia 12% mais elevada no período seco. As bandeiras tarifárias, entretanto, possibilitam a indicação mensal de valores que acompanham as variações das previsões do Custo Marginal de Operação e dos Encargos de Serviço do Sistema por segurança energética, chamados de ESS_SE. Os custos de ESS_SE são provenientes da remuneração de usinas por conta das solicitações de despacho do ONS para realizar geração térmica fora da ordem de mérito de custo, buscando a segurança do suprimento energético. Na operacionalização do sistema, o ONS mensalmente informa os valores previstos do CMO e ESS_SE e a Aneel indica a bandeira a vigorar no próximo mês por subsistema. Como resultado da maior flexibilidade no repasse de custos de geração para os consumidores, quando as bandeiras forem aplicadas, haverá a oportunidade de adequação proativa da postura de consumo e prevenção do custo adicional. As bandeiras são ativadas da seguinte maneira:
Tabela 2 – Somatória dos Custos Marginais de Operação e Encargos de Serviço do Sistema por Segurança Energética que ativam as bandeiras tarifárias
Este é um formato alternativo para a apresentação de um custo que atualmente é repassado para o consumidor apenas na ocasião do cálculo de reajuste das tarifas das distribuidoras de energia, anualmente. Até agora, como as bandeiras encontram-se em períodos de testes, indicadas nas faturas das distribuidoras mas não computadas para fins de faturamento, e como o sistema antigo possuia uma estrutura tarifária sazonal não mais aplicada, os consumidores regulados não possuem um sinal tarifário que demonstre as condições atuais do sistema elétrico. Com a definição da estrutura do PRORET – os Procedimentos de Regulação Tarifária – pela Resolução Normativa nº 435, de 24 de maio de 2011, que tem como finalidade consolidar a regulamentação dos processos tarifários, e com a Resolução Normativa nº 547 de 16 de abril de 2013, que estabelece os procedimentos comerciais para a aplicação do sistema de bandeiras tarifárias, foram criadas as bases para aplicação das bandeiras tarifárias dentro do 3º Ciclo de Revisão Tarifária Periódica. O principal objetivo destas Revisões é analisar o equilíbrio economico-financeiro das concessões das distribuidoras. Em comparação aos Reajustes Tarifários Anuais, que buscam repassar os custos não gerenciáveis e atualizar monetariamente os custos gerenciáveis das empresas de distribuição, as Revisões acontecem de quatro em quatro anos, ou conforme estipulado no contrato de concessão, e reconstroem as tarifas considerando alterações na estrutura de custos e de mercado, o estímulo à modicidade e à eficiência e os níveis das tarifas em empresas nacionais e internacionais similares.
O período de testes e o adiamento na aplicação do sistema
O ano de 2013 foi selecionado como período teste para a simulação do sistema de bandeiras tarifárias, até a sua aplicação efetiva, originalmente prevista para ocorrer a partir de 2014. Durante o ano-teste, em caráter educativo, foi incluida nas faturas de distribuição a sinalização da bandeira aplicada em cada mês e a indicação de qual seria o seu efeito, caso o sistema já estivesse vigorando. Entretanto, em dezembro de 2013, conforme ficou estabelecido pela Resolução Normativa nº 593/2013, a Aneel decidiu adiar a aplicação do sistema de bandeiras de janeiro de 2014 para janeiro de 2015, justificando que os consumidores não estavam suficientemente informados sobre o tema e que algumas distribuidoras não estariam preparadas para cumprir os prazos previstos para implantação das medidas necessárias. Em suas justificativas para o adiamento, a Aneel também mencionou a necessidade de aperfeiçoamento de regras e, juntamente com a postergação, houve a alteração das faixas de acionamento das bandeiras, que até aquele momento eram de até R$ 100,00 por quilowatt-hora para a bandeira amarela e a partir de R$ 200,00 por quilowatt-hora para a vermelha, que passaram a valer com os limites apresentados na Tabela 2.
Do ponto de vista das distribuidoras, as bandeiras poderiam colaborar com a mitigação do descolamento de fluxo de caixa resultante da aquisição de energia no mercado de curto prazo, visto que o adiamento na aplicação do sistema deixará de recolher cerca de R$ 11 bilhões em 2014. Uma exposição involuntária foi causada nas distribuidoras, pois nem todas as concessionárias de ativos aderiram aos termos propostos pelo governo federal para renovação antecipada das concessões de geração, através da Medida Provisória 579 de 11 de setembro de 2012, convertida posteriormente na Lei 12.783/2013. Dessa forma, o volume das cotas de energia provenientes da renovação que seriam repassadas para as distribuidoras foi reduzido, causando a insuficiência de cobertura contratual e a necessidade das distribuidoras acessarem o mercado de curto prazo para adquirir a energia adicional a preços que, desde o início de 2013, encontram-se em patamares elevados. A soma destes fatores, criou uma conta estimada em cerca de R$ 60 bilhões que é paga por consumidores e contribuintes desde 2013 e que continuará sendo paga ao longo dos próximos anos. Mesmo apesar dos esforços do governo para a amenização da exposição com a realização do leilão A-0 do dia 30 abril de 2014 – que cobriu apenas uma parte das necessidades das distribuidoras – os elevadíssimos custos sofridos pelas distribuidoras se apresentam nos reajustes tarifários verificados ao longo de 2014 na forma de aumentos substanciais e impactam o consumidor em cheio.
O impacto sobre o consumidor industrial
As condições insuficientes de hidrologia, os níveis de reservatórios baixos e a metodologia de internalização de aversão a risco Conditional Value at Risk (CVaR), instituida pela Resolução CNPE nº 03/2013 e utilizada desde setembro de 2013 no modelo de formação de preços de curto prazo, pressionaram o CMO durante 2014, fazendo com que, até agora, a bandeira vermelha dominasse as sinalizações mensais da Aneel neste ano. Veja abaixo o gráfico com os valores mensais de CMO e ESS_SE estimados pelo ONS, para fins de acionamento das bandeiras até agosto:
Gráfico 2 – CMO Sudeste/Centro Oeste e ESS_SE estimados em 2014 e bandeiras tarifárias. Fonte: Aneel
Na Tabela 3 são apresentados os efeitos médios das bandeiras se elas tivessem sido aplicadas em 2014, sem considerar impostos, para consumidores industriais de médio porte conectados a diferentes distribuidoras.
Tabela 3 – Custos unitários médios de um consumidor industrial de médio porte, sem impostos, simulando o período de testes, sem o efeito das bandeiras, e os resultados caso as bandeiras tivessem sido aplicadas no período de janeiro de 2014 até agosto de 2014
Em comparação ao consolidado, se as bandeiras tivessem sido aplicadas sobre a Tarifa de Energia durante 2014, o custo médio percebido pelo consumidor teria sido cerca de 12% superior até este momento. A postergação contribui para a amenização da inflação em 2014, e desonera o consumidor em um ano no qual, até agora, foram sinalizados um mês com bandeira amarela e sete meses com bandeira vermelha, em decorrência de valores bastante elevados de CMO. A percepção do aumento de custos para o consumidor seria uma variável de peso em ano de eleições, o que provavelmente foi avaliado pelas entidades do governo para a decisão de transferir a aplicação do sistema para 2015.
Considerando as tarifas vigentes de algumas distribuidoras que recentemente passaram por reajustes, foram calculados os custos médios esperados a partir de 2015 com as três bandeiras, durante o período de vigência das tarifas. Estes custos baseiam-se no perfil de um consumidor industrial conectado em nivel de tensão A4.
Gráfico 3 – Custos unitários médios previstos para um consumidor industrial de médio porte, sem imposto, considerando as tarifas mais recentes de algumas distribuidoras e a aplicação das bandeiras. Os reajustes tarifários de 2015 ocorrerão um dia após as datas indicadas no gráfico e representarão um aumento esperado superior a 15%.
Devido às bandeiras tarifáras, o consumidor regulado deverá levar em conta uma faixa de variação possível de R$ 30,00 por megawatt-hora para o seu custo unitário, o que dentro de um budget poderá corresponder a um acréscimo de cerca de +13% sobre o seu custo médio anual. É importante que o consumidor esteja ciente que, após o final da vigência das tarifas, além do efeito do sistema de bandeiras, são esperados reajustes tarifários superiores à 15% no ano de 2015, motivados principalmente pelos custos incorridos pelas distribuidoras com as exposições involuntárias, citadas anteriormente. Imprescindívelmente, estas questões relativas ao preço da energia deverão ser consideradas desde já no planejamento e no orçamento dos consumidores de energia elétrica para o próximo ano.
O que esperar
A evolução do paradigma do setor elétrico brasileiro fortalece o sistema de bandeiras tarifárias, à medida que a expansão da oferta programada nos próximos anos baseia-se em usinas hidrelétricas com baixa ou nenhuma regularização anual e em usinas termelétricas com maiores custos variáveis unitários. Com a entrada crescente de fontes intermitentes, como as usinas eólicas, e com o aumento da geração hídrica sem regularização o papel das termoelétricas passa a ser ainda mais crucial na operação do sistema. As bandeiras fornecerão, mesmo que de uma forma limitada, um sinal da amplitude e da volatilidade dos preços de curto-prazo aos consumidores que adquirem energia das distribuidoras.
Outros países já adotaram medidas semelhantes. Na Espanha, no final do primeiro semestre de 2014, o Ministério da Indústria substituiu o antigo modelo de fixação da tarifa através de leilões trimestrais por um sistema de tarifas variáveis em função da evolução dos preços do mercado atacadista. Esta medida afeta todos os consumidores espanhóis submetidos à tarifa regulada, que são a maioria. A tarifa é formada por um componente de energia que serve para cobrir os custos de geração, um segundo componente formado por taxas de acesso determinadas pelo governo para cobrir os custos regulados (distribuição, transporte, premios para fontes renováveis e cogeração) e por impostos. Se o usuário possuir um sistema de medição inteligente, que mede o consumo horário, a fatura mensal discriminará os volumes de consumo em cada momento do dia e indicará o custo instantâneo da eletricidade, conforme o preço praticado no pool do mercado atacadista. Atualmente, os usuários com este tipo de medidor são uma minoria, porém, existe o objetivo de instalá-lo em todos os consumidores até 2019
No futuro, o governo brasileiro poderá discutir novamente os limites de ativação das bandeiras tarifárias, a sua forma de execução e o acréscimo que elas representam sobre a Tarifa de Energia, mas, neste momento, a expectativa acomoda-se sobre a forma como decorrerá o primeiro ano de aplicação do sistema, que iniciará no próximo mês de janeiro. A capacidade das bandeiras cumprirem o seu papel de incentivo à elasticidade da demanda, e a sua relevância dentro do panorama setorial dependerão da sensibilidade e da compreensão do consumidor sobre o impacto e o significado destes indicadores. A familiaridade com o mecanismo de bandeiras virá como parte de um processo de educação e de acompanhamento de custos, que deve ser incentivado e, se necessário, assessorado. Até lá, o importante é estar planejado e ciente de como este novo mecanismo pesará no seu bolso.
Conversa
Homero Dornelles
10 anos ago
Parabéns pelo texto e esclarecimentos.
Gostaria de um esclarecimento sobre um detalhe, a bandeira tarifária é aplicável em contratos de fornecimento no Mercado Livre ?